Saúde
Mental X Doença Mental
Psicóloga
Cássia Regina de Souza Preto[1]
Imaginem pessoas que viveram
por longos períodos em hospitais psiquiátricos, e que passam a viver nas suas
casas, nas ruas, praças, etc.
Você pode estar
pensando: vão abrir as portas do hospício e a cidade vai viver um caos! Ao
contrário, quero apresentar a você uma reflexão de que estas pessoas que podem viver
num caos (loucura), podem habitar o mundo das ruas a partir da nossa mudança em
relação ao que pensamos e sentimos sobre a LOUCURA e de como nossa cidade
organiza e implementa políticas públicas em saúde mental.
Todos nos conhecemos
bem o que a palavra “LOUCO” trás para nosso imaginário: pessoas sem razão, que
falam coisas esquisitas ou que não conseguimos entender o curso da conversa, que
veem coisas que não existem, escutam pessoas que só elas conseguem ver, etc.
Esta é uma visão estigmatizada do LOUCO e da LOUCURA, é claro que não podemos mais ficar com este reducionismo carregado de preconceito.
Outro ponto que está
associado a esta visão reducionista e preconceituosa do louco e da loucura, é a
posição de que estas pessoas devem ficar nos hospícios, ou em casas de
recuperação, submetidas a tratamentos prolongados com medicamentos. Outro aspecto
que combina com esta visão, é que a família não consegue lidar com um familiar
que apresenta estes comportamentos “desviantes”, porque é muito difícil de
lidar com ele, pois ele pode ficar agressivo, a pessoa não trabalha e pior, dá
muito trabalho e afinal de contas, os familiares precisam trabalhar...
Porem, há alguns anos
no Brasil e no mundo vários grupos têm trabalhado para mudar esta realidade e
esta visão do louco e da loucura. Trata-se da reforma psiquiátrica, um
movimento das décadas de 70/80, o qual foi alem de proposições de mudanças
concretas de como lidar com a pessoa que apresenta transtorno mental e de seu
tratamento, mas propôs uma evolução conceitual que vem modificando a forma da
sociedade lidar com a loucura. Trata-se de um novo modelo de SAÚDE MENTAL, o
qual nem é tão novo assim, tem mais de 20 anos...
A reforma
psiquiátrica tem uma longa história de lutas e mudanças de modelo de
atendimento ao portador de transtorno mental e, mais do que tudo, de mudança de
paradigma da relação da sociedade com o portador e sua família.
Neste novo modelo de
gestão pública em Saúde Mental, as pessoas que viviam encarceradas em hospitais
psiquiátricos passam a residir com sua família, ou em residências autogerenciadas
pelos usuários, ou residências com algum tipo de tutela da gestão pública, porem,
o mais importante, é que vivem como qualquer outro cidadão, pode ir e vir,
produzir, estudar, ter lazer, amar...
A internação neste
modelo, serve para momentos de real necessidade, geralmente por curtos períodos
(no máximo uma semana a dez dias) e depois de superada a crise, a pessoa é
reconduzida a outro tipo de atendimento
- ambulatório, hospital-dia etc. – geralmente atendidas em Centros de
Atendimento Psicossocial - CAPS.
O usuário participa do
tratamento, o qual é amplo e voltado a inúmeras áreas de sua vida. A palavra
tratamento também fica reducionista para esta proposta de atenção à saúde para a
pessoa que vive com transtorno mental, pois é uma proposta que vai alem do
tratamento médico ou medicamentoso, ou até mesmo aos demais tratamentos geralmente
propostos (como psicoterapia, fisioterapia, terapia ocupacional etc.); este
novo modelo entende a saúde como sendo muito maior que o oferecimento de
tratamentos, apresenta no seu bojo uma visão ampla da saúde, pois também concerne
a inúmeros outros elementos, como autonomia, desenvolvimento de
potencialidades, estruturação de projetos de vida e muito mais.
Sabemos que muitas
famílias, em momentos de desespero, quando estão com seu ente querido sofrendo
(ou fazendo-os sofrer), clamam pela internação psiquiátrica; na realidade,
clamam por atendimento digno a alguém que está sofrendo e à família que também
sofre. Temos que considerar que em muitas cidades do nosso pais, não há ainda
este novo modelo implementado e, neste sentido, quando não se conhece outra
opção, fica difícil de desejar pelo desconhecido.
Mas, porque será que
ainda parece ser tão nova esta proposta? Porque parece que ainda não vivemos este modelo? Precisamos olhar
para nosso município e avaliarmos como nossa cidade vivencia a política em saúde
mental.
Precisamos nos
questionar e nos preocupar em como está a qualidade da prestação de serviços em
Saúde Mental do nosso município. Será que temos serviços que atendem as pessoas
portadoras de sofrimento mental e suas famílias com dignidade e respeito à
cidadania?
Ou será que nossa
cidade ainda oferece um atendimento ao DOENTE MENTAL? Aquele tratamento que
visa levar o “louco” ao hospital psiquiátrico, tratá-lo por meses a fio, com
parcos dias de visitas aos familiares, até ser devolvido à família, que
novamente não esta preparada em como lidar com a LOUCURA, nem com seu LOUCO!
Este modelo que visa a DOENÇA MENTAL está ultrapassado!
Os municípios
precisam se estruturar e parar de propor políticas públicas visando lidar com a
doença mental e transformar, juntamente com nossa sociedade, a cultura de
atendimento e de entendimento da LOUCURA, visando a SAÚDE MENTAL. Este é um
desafio de todos nós!
Apresento algumas
perguntas que podem ajudá-lo a avaliar como sua cidade tem abordado a Saúde
Mental:
Sua
cidade tem CAPS?
Segundo o portal da Saúde, no Ministério da Saúde,
o objetivo do CAPS - Centros de Atenção
Psicossocial - é oferecer atendimento à população, realizar o acompanhamento
clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer,
exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e
comunitários. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), entre todos os
dispositivos de atenção à saúde mental, têm valor estratégico para a Reforma
Psiquiátrica Brasileira. Com a criação desses centros, possibilita-se a
organização de uma rede substitutiva ao Hospital Psiquiátrico no país. Os CAPS
são serviços de saúde municipais, abertos, comunitários que oferecem
atendimento diário.
Todos os tipos de CAPS são
compostos por equipes multiprofissionais, com presença obrigatória de
psiquiatra, enfermeiro, psicólogo e assistente social, aos quais se somam
outros profissionais do campo da saúde. A estrutura física dos CAPS deve ser
compatível com o acolhimento, desenvolvimento de atividades coletivas e
individuais, realização de oficinas de reabilitação e outras atividades
necessárias a cada caso em particular.
Que tipo de CAPS que sua
cidade possui?
• CAPS I - são serviços para cidades de pequeno porte, que devem dar cobertura para toda clientela com transtornos mentais
severos durante o dia (adultos,
crianças e adolescentes e pessoas com problemas devido ao uso de álcool e
outras drogas).
• CAPS II - são serviços para cidades de médio porte e atendem durante o dia clientela adulta.
• CAPS III – são serviços 24h, geralmente disponíveis em grandes cidades, que atendem clientela
adulta.
• CAPS i – são serviços para
crianças e adolescentes, em cidades
de médio porte, que funcionam durante
o dia.
• CAPS ad – são serviços para pessoas com problemas
pelo uso de álcool ou outras drogas,
geralmente disponíveis em cidades de
médio porte. Funciona durante o dia.
Cada tipo de CAPS atende uma
clientela diferenciada (adultos, crianças/adolescentes e usuários de álcool e
drogas) a depender do contingente populacional a ser coberto (pequeno, médio e
grande porte) e do período de funcionamento (diurno ou 24h).
Sua cidade possui
Associação de Saúde Mental (ou organização similar) que visa lutar pelos
direitos do portador de transtornos mentais e seus familiares?
Sua cidade possui
Hospital Dia em Saúde Mental?
Segundo o portal da
Saúde, no Ministério da Saúde, define como Regime de Hospital Dia a assistência
intermediária entre a internação e o atendimento ambulatorial, que requeiram a
permanência do paciente na Unidade por um período máximo de 12 horas.
Sua cidade possui residências
para pessoas egressas de hospitais psiquiátricos?
[1] Discente da Especialização
Latu Sensu em Psicologia e Saúde, Interfaces teóricas e práticas UNESP/FOA/Araçatuba/SP/2013
Psicóloga Jurídica no Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo/Comarca de Araçatuba.